Papai Noel…

Ao que parece, nas origens do Papai Noel está a figura de Nicolau, bispo da Igreja Católica na cidade de Mira. Filho de uma rica família, ele teria nascido na cidade de Patara / Lícia, na Ásia Menor (atual território da Turquia), por volta do ano 280.

Papai Noel? São Nicolau? Como? Onde?

Em 1897, Francis Church, redator-chefe do jornal The Sun, recebeu uma carta inusitada, na verdade um pequeno bilhete de um remetente inesperado. Era Virginia O’Hanion, uma menina de apenas oito anos de idade. Senhor Redator, escrevia-lhe ela, tenho oito anos de idade. Algumas de minhas amigas sempre me dizem que não existe o Papai Noel. Meu pai, porém, costuma falar que se algo estiver no The Sun, então será verdade. Por favor, diga-me a verdade: o Papai Noel existe?

Após certa indecisão – afinal, ele era o redator-chefe de um jornal tão importante -, Francis Church enviou-lhe a seguinte resposta:

Virginia. Tuas amigas não têm razão. Elas sofrem de uma doença péssima e que, mais tarde, lhes trará ainda muitas dores. Toma cuidado para que essa doença não te pegue. Trata-se de uma doença da alma. Nós, os adultos, chamamo-la de incredulidade, espírito de crítica, falta de inocência. Tuas amigas e outras pessoas que tentaram te convencer pensam que são sábias e espertas, porque só admitem como real aquilo que podem ver com os olhos e tocar com as mãos. Contudo, elas não sabem quão pouco é isso! 

Ora, pequena Virginia, imagina todo este imenso globo terrestre com seus lagos e montanhas, com seus rios e mares, e, pairando sobre nossas cabeças, o céu infinito com suas miríades e miríades de estrelas. Imagine quantas espécies de seres existem no mar, nos ares e sobre a terra. O homem é apenas um entre milhares de seres, e ademais quão pequeno! Diante das imensidões do universo, ele é pouco mais do que um besouro ou uma formiga. Como, então, pode o homem ver tudo o que existe e com seu pequeno entendimento querer explicar todas as coisas? 

Sim, Virginia, Papai Noel existe. Tão certamente quanto existem o carinho e a alegria, o amor e a bondade, os quais, porém, não podemos ver com nossos olhos e apalpar com nossas mãos. Mas tudo isso existe. Tu mesmo já os experimentaste. E não trazem eles beleza e alegria em tua vida? 

Como seria triste o mundo sem o Papai Noel! Tão triste como se não houvesse mais Virginias, como se não houvesse mais os contos de fadas, os anjos, as canções, as histórias infantis escritas pelos poetas. Ou, pelo contrário, só houvesse gente que jamais se encanta com nada, que jamais sorri! Então estaríamos todos perdidos. E aquela luz eterna, que jamais se apaga, com a qual as crianças iluminam o mundo e que acompanha toda criancinha que nasce, esta se apagaria para sempre. 

Não acreditar no Papai Noel? Então ninguém mais precisaria crer em fadas e anjos. Tu poderias convencer teu pai a colocar vigias diante de cada chaminé, na noite de Natal, para que eles pudessem agarrar o Papai Noel. O que ficaria então provado se eles não o vissem descer pela chaminé? Ora, ninguém vê o Papai Noel! Isso porém não prova que ele não existe. As coisas que neste mundo são verdadeiramente reais, não as podem ver nem crianças nem adultos. Já viste alguma vez uma fada dançar sobre os prados floridos? O fato de não a teres visto não prova que a fada não dance na pradaria. Ninguém pode compreender todas as maravilhas invisíveis do universo. 

Tu podes bem desmontar um chocalho de bebê, a fim de ver como se produz propriamente o ruído das pedrinhas que se chocam umas contra as outras. Porém, sobre o mundo invisível há um véu estendido, o qual não pode ser rasgado nem mesmo pelo homem mais forte da terra e nem sequer pela força conjunta de todos os homens fortes de todas as épocas. Somente a fé e a caridade podem levantar um pouquinho a ponta deste véu e assim contemplar a beleza e o esplendor sobrenaturais que se escondem atrás dele. 

Será tudo isso realidade? Virginia, sobre a terra não há nada de mais real, de mais verdadeiro do que isso! Graças a Deus que o Papai Noel vive e viverá eternamente! Nos próximos mil anos, nos próximos 10 mil anos, multiplicados por outros tantos mil anos, o Papai Noel continuará a fazer com que os corações puros das crianças se alegrem e batam com mais força na abençoada noite de Natal.

Mas de onde arrancaram os homens essa figura, esse velhinho de barbas brancas, em vestes vermelhas, que, como se fora o pai de todos, sai pelo mundo, saco às costas, no seu trenó, distribuindo presentes e alegria, na noite do Natal?

Ao que parece, nas origens do Papai Noel está a figura de Nicolau, bispo da Igreja Católica na cidade de Mira. Filho de uma rica família, ele teria nascido na cidade de Patara / Lícia, na Ásia Menor (atual território da Turquia), por volta do ano 280. Ao contemplar a triste morte de seus pais, vítimas da peste, Nicolau distribui seus bens aos pobres e vai morar com seu tio, bispo de Mira, também chamado Nicolau. Aos dezenove anos de idade, é ordenado presbítero. Mais tarde torna-se sucessor deste mesmo tio, na cátedra episcopal da cidade portuária de Mira. Notícias incertas dão conta de que ele teria participado do conturbado e célebre Concílio de Nicéia (325), no qual a Igreja formulou a doutrina da divindade de Jesus Cristo.
Temperamental, Nicolau teria agredido aos tapas Arius, adversário contumaz desta declaração doutrinal. Preso por sua atitude, redescobre, no cárcere, a serenidade, pede perdão ao agredido e aos demais participantes do Concílio, dizendo: Não permitamos que o sol se ponha sobre a nossa ira. Sua morte teria ocorrido entre 345 e 351, na mesma cidade de Mira (atual Kocademre / Turquia).
Mais não sabemos sobre Nicolau. Se as informações históricas são assim tão rarefeitas, muitas são as lendas em torno de seu nome. Assim, tão logo morrem seus pais, ele teria tomado parte de sua herança e, por três noite seguidas, às escondidas, lançou barras de ouro pela janela da casa de três meninas casadoiras, em Patara, que, por serem pobres e não possuírem os dotes exigidos para se casarem, estavam prestes a ser entregues à prostituição pelo seu pai. Durante um tempo de grave fome, enquanto ainda era bispo de Mira, Nicolau teria pedido a todos os navios que por ali passavam, repletos de trigos e outros víveres destinados ao Imperador de Bizâncio, que lhe dessem um pouco de sua carga, sob a promessa de que, ao chegarem ao seu destino, veriam que a carga estaria integralmente como antes. Dito e feito. E assim ele salvou muitas vidas, sem nenhum prejuízo dos marinheiros.
Durante um tempo de grave fome, enquanto ainda era bispo de Mira, Nicolau teria pedido a todos os navios que por ali passavam, repletos de trigos e outros víveres destinados ao Imperador de Bizâncio, que lhe dessem um pouco de sua carga, sob a promessa de que, ao chegarem ao seu destino, veriam que a carga estaria integralmente como antes. Dito e feito. E assim ele salvou muitas vidas, sem nenhum prejuízo dos marinheiros.
Noutra ocasião, um homem, que aspirava ansiosamente por um filho, vai até Nicolau pedir-lhe a sua intercessão junto a Deus. Em Mira, porém, ele chega no dia da morte do grande bispo. Não podendo mais levar para a casa a sua bênção, ele consegue um pedaço do tecido que envolvia o corpo de Nicolau. Um ano depois, exatamente no dia 6 de dezembro, na festa de São Nicolau, nasce-lhe o desejado filho. Sete anos depois, a mesma criança é raptada. Mais uma vez, os desesperados pais se dirigem a seu intercessor. Misteriosamente, a criança reaparece, pouco tempo depois, outra vez no dia de São Nicolau. 

Três jovens estudantes, a caminho de Atenas para seus estudos, hospedam-se em Mira. Aí são assassinados pelo proprietário da hospedaria que, percebendo serem jovens ricos, queria se apossar de seu dinheiro. Em sonhos, Nicolau vê o horrível crime. Vai até o local e lá encontra os restos esquartejados dos estudantes. Condoído, ele ajunta os pedaços e lhes devolve a vida.
Certa vez, alguns marinhos, salvos por um timoneiro desconhecido que, misteriosamente, aparece em seu barco, conduzindo sua embarcação por dentro de uma assombrosa tempestade até o porto de Mira, vão até à Igreja daquela cidade, agradecer a Deus por sua vida. Grande foi sua surpresa ao verificarem que o timoneiro que os salvara do desastre era exatamente São Nicolau.
Estas e muitas outras maravilhas foram atribuídas a Nicolau. Sua generosa solicitude para com os sofredores logo o transforma numa das mais queridas figuras do Cristianismo do primeiro milênio. A partir do século X, é venerado, na Europa, como protetor das crianças. Instigadas por seus pais, meninos e meninas passam, então, a preparar pequenos navios de papel e a deixá-los à porta de suas casas, a fim de que São Nicolau ali depositasse, na noite de sua festa, doces e balas. Mais tarde (século XV), os navios de papel são substituídos por sapatos e meias como o lugar em que o Santo deixaria os seus presentes. Sua festa, celebrada na Igreja Latina no dia 6 de dezembro e na Igreja Ortodoxa no dia 19 de dezembro, próxima, portanto, da grande festa da Cristandade, o Natal de Jesus Cristo, logo o transforma também numa figura natalina.

Mesclado, gradualmente, com costumes e contos de outras culturas, sobremaneira dos países nórdicos, São Nicolau toma as feições que hoje conhecemos sobretudo a partir de 1931, quando o artista gráfico Haddon Sundblom, a pedido da Coca-Cola-Company, passa a produzir, a cada ano (até 1966), propaganda de seus produtos com a figura de São Nicolau (Santa Claus / Nicolaus / Nicolas / Nicol / Niklas / Niels / Noël / Noel).

Muitos indignam-se ao ver a imagem de Nicolau assim arrancada do âmbito religioso, arremedada com traços quase pagãos e arrastada pelo mundo, através de todas as media, como um instrumento quase grotesco de propaganda e vendagem de mercadorias as mais diversas. Mas diante do que retém seus passos, em reverência, a lógica mercante? Nada disso, porém, anula ou desfaz a beleza humana que o imaginário popular depositou na figura do Papai Noel.

Como se fosse um poema escrito por muitas mentes e mãos, Papai Noel é uma das mais belas expressões da alma humana. Seu jeito bondoso, terno, pacífico, sorridente, discreto, que, esgueirando-se por chaminés e portas entreabertas, aparece apenas na penumbra, quase cioso de que não o vejam em sua generosidade, para recolher-se, outra vez, em seu segredo, talvez quase nem lembre mais o Bispo de Mira. Lembra-nos mais. E recorda-nos um outro mistério... também ele bondoso, terno, pacífico, sorridente, discreto, que nunca vemos, que aprecia velar nas penumbras da discreção a sua infinita generosidade... um pai de todos os homens, que, para além de todas as fronteiras, vindo não-se-sabe-de-onde pela trilha das estrelas, visita as moradas humanas, levando-lhes as dádivas de sua bondade. São incontáveis os desejos, os sonhos, as carências, as necessidades dos homens: um pão, o alívio dos sofrimentos, uma réstia de esperança do meio dos medos e angústias, um brinquedo e um sorriso, um pouco de amor. Destes e de tantos outros desejos, a imaginação humana criou o Papai Noel... um poema e uma prece da alma dos homens, a fim de que todos os filhos deste mundo, sem exceção, em todos os lugares, ainda que apenas por um dia ou uma noite, se sintam visitados pela bondade abnegada, pela generosidade discreta de um pequeno gesto de amor.
Sobre o autor

Foi religioso da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos na Província de Minas Gerais. Graduado em Filosofia e Teologia pelo Instituto Franciscano de Petrópolis. Doutor em Teologia pela Universidade de Tübingen. Falecido em 2009.

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